Artigo: Tem futuro um país em que a renda de 93 milhões de pessoas (44% da população) depende do Estado?
Esse é o Brasil de Bolsonaro, dos 27 governadores e dos 5.570 prefeitos. A canoa está furada para todos eles e já não dá para bombar água para fora só com canequinha
A canoa furada
No país das reformas nunca feitas ou inacabadas, apesar de faltar crescimento econômico para bancar o custo da máquina estatal, das políticas de renda e criar emprego conforme o aumento da população, muitos reclamam e poucos fazem contas para entender o enrosco.
A situação é dramática, e não falo dos déficits orçamentários (entre os quais o da previdência é desestabilizador sem mudança de suas regras). Os déficits são sintomas de economia desfibrada, sem força para sustentar os ônus das políticas públicas e da folha de servidores. O processo é circular e piora a cada ano.
Quanto menos produção, ou produto interno bruto, vulgo PIB, menos emprego haverá, mirrando salários, consumo, lucro e a arrecadação de tributos, cuja receita volta à economia sob a forma de gastos e investimentos públicos. Gasto fiscal avançando acima da expansão do PIB leva ao mesmo fim de cardíaco sedentário correndo maratona.
Desde 2008, o setor público consome o que arrecada com seu próprio custeio, políticas de renda e juros. E o setor privado, com capacidade instalada acima da demanda e custo alto para fazer dívida ou atrair investidores, imobiliza sua geração de caixa (se houver) em ativos seguros, aqui e no exterior, ou/e distribui o resultado.
O investimento público e privado não se dá no ritmo necessário para a economia ocupar a capacidade de produção, quiçá para ampliá-la ou modernizá-la e ter alguma chance nos mercados externos. Está aí o resultado: infraestrutura viária sucateada, geração de energia no osso se o PIB crescer 3% ao ano por um triênio, indústria sem produto inovador para enfrentar a concorrência externa.
Trata-se de uma corrente de transmissão formada por elos. Rompa-se um ou alguns deles e ela não gira como antes, estagnando-se.
Esse é o Brasil de Bolsonaro, dos 27 governadores e dos 5.570 prefeitos. A canoa da economia brasileira está furada para todos eles, isso vem de longe e já não dá para bombar água para fora só com canequinha.
Renda real voltou a 2010
No curto prazo, assim estamos desde 2014, quando o PIB entrou em recessão, puxando para baixo a renda per capita. O IBGE calculou o crescimento do PIB em 2018 em 1,1%. É pouco para repor a renda per capita real (tirando a inflação) ao nível em que estava em 2010.
No longo prazo, a economia perde tração desde os anos 1990, com atraso estrutural na indústria (o setor automotivo, por exemplo, pode montar cerca de 5 milhões de carros ao ano e só faz a metade), e o emprego se ressente da pauperização do PIB. Isso tudo é fruto de decisões erradas dos governos, sem exceção, em especial o desprezo ao investimento, relegado em nome do populismo social.
A dimensão da fraqueza da economia está em toda parte – num dia, a taxa de desemprego, 12%, 12,7 milhões de desempregados; no outro, a anemia do PIB de 2018, 5,1% abaixo do último pico e já se passaram 18 trimestres.
A demora em sair da estagnação é como adiar o conserto do telhado. Um dia vem abaixo e já não basta só trocar as telhas.
CLT é ficção à maioria
É este o pano de fundo da reforma da previdência. O estado de bem-estar social cresceu sem nexo tanto com a capacidade contributiva da economia quanto com sua expansão a um ritmo maior que as despesas do conjunto da federação.
Acompanhe os números a seguir.
Até janeiro último, segundo a PNAD do IBGE, havia 170,7 milhões de brasileiros com mais de 14 anos. Destes, 92,5 milhões formam a população ocupada, além de 12,7 milhões de desempregados. Dos ocupados, só 33 milhões têm carteira assinada – muito pouco para a força de trabalho total de 105 milhões de pessoas (31,5%).
Para a maioria, Justiça do Trabalho e sindicatos são ficções, e a CLT, só uma sigla, algo que a sua reforma talvez venha a corrigir.
92,7 milhões de dependentes
Com a economia travada, mas com a maior carga tributária entre os países emergentes (32% do PIB), há cinco anos com déficit primário, impressiona o total de pessoas dependentes dos governos – 77 milhões em 2017, na conta do economista Fernando Montero, com base em dados oficiais.
Aí estão beneficiários do Bolsa Família, Seguro Desemprego, Abono, LOAS/RMV e INSS. Em 2003, eram 38 milhões. O número mais que dobrou em 14 anos, sem que o PIB tivesse evoluído no mesmo compasso.
O total de dependentes do Estado vai a 92,7 milhões, se incluídos os 11,5 milhões de servidores públicos e militares e seus 4,2 milhões de aposentados. Isso significa que dependem do Estado 88% da força de trabalho. Ou 54% da população em idade ativa. Ou 44% da população.
Aqui falamos de quantidades. Em termos de despesa pública, o grosso é gasto com a elite da burocracia – os que atacam as reformas.
É preciso quantificar os programas do governo e não só discutir a despesa. Fica óbvio que o problema não está no Bolsa Família, cuja ajuda pode chegar a R$ 195 ao mês nos casos de extrema pobreza. O drama real é a falta de crescimento econômico, além da educação deficiente e do desperdício com os marajás da burocracia.
O Brasil tem futuro com tal panorama? Essa é a questão relevante.
Síndrome da Dilma não dá
O país precisa se libertar da síndrome da Dilma e voltar a discutir crescimento em conjunto com a reforma do gasto e da governança do Estado. Essa tríade se torna prioritária com a economia esquálida.
O que fazer?
Governo, Congresso e governantes regionais entenderem que o nó a desatar está no próprio sistema estatal, além do receio de enfrentar as desonerações de impostos e esmiuçar todas as rubricas, pois controle, viu-se com a Lava Jato, sempre chega atrasado.
Abertura da economia, salvo poucas exceções, é outra providência, para sacudir as empresas acomodadas. Mais: esperar que a inflação miúda, o PIB anêmico e o desemprego sensibilizem o Banco Central a relaxar a política monetária. E cogitar, falo sussurrando, algum endividamento para mover os projetos de infraestrutura, acoplado a programas de empregabilidade dos mais carentes.
Ponha-se a economia para andar que tudo ficará mais fácil. Nem liberais enjoados esperam a prosperidade por geração espontânea.
*Antonio Machado é jornalista, colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas, editor do Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br).
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